O Sábio e o Rei

Antigamente existia um rei que gostava muito de caçar.

Toda vez que o rei partia para as caçadas, ele convidava toda sua comitiva, e era uma ocasião festiva.

Certo dia logo pela manhã, reuniu toda sua comitiva e anunciou:

- "Vamos à caça de leões", e houve um brado uníssono de alegria.

O lugar das caçadas ficava um pouco distante do reino e a jornada até o local decorria em clima festivo.

Enfim, chegando ao local da caça, o rei apresentava grande disposição e mestria.

Não demorou muito e ele conseguiu acuar um grande leão que parecia ser o líder, porém sem que o rei esperasse o leão deu-lhe uma patada, e o rei reagiu rapidamente matando o animal, primeira vítima de sua caçada, mas notou surpreso que sua mão doía demais, o leão havia arrancado o seu polegar.

Viajavam de volta ao reino, parecia mais um cortejo fúnebre, ninguém ousava conversar, até que o mais sábio dos conselheiros atreveu-se a um comentário:

- "Senhor, sei que vossa alteza se ressente muitíssimo de sua infeliz distração, e sei também que vossa alteza sabe que esse nervosismo e esse estado de prostração não ajudará nada, vossa alteza deveria saber que tudo o que nos acontece, Deus permite, porque é para o nosso bem , é porque seria o que melhor nos poderia ter acontecido, porém nem sempre nos é permitido reconhecer de imediato".

O rei, indignado com o comentário pois não estava em condições de apreciar a sublimidade daquelas palavras, rudemente ordenou que prendessem o sábio. O sábio nada disse, apenas lamentou pelo rei.

Alguns anos se passaram, o sábio aproveitou seu tempo na masmorra para fazer amigos entre os outros presos e com o carcereiro, ensinando à todos lições de vida e o valor da amizade e da fé, enquanto o rei amargava deprimido, sua sorte em sua última caçada, até que um dia resolveu mudar, sair daquela apatia. Pensava muito no sábio, remoía-lhe o remorso de ter prendido o amigo, mas sua posição e orgulho ordenava esquecer este episódio, iria caçar novamente.

O rei mudou até o cenário das caçadas, eles se embrenhavam mais para dentro da floresta em busca de diferentes emoções, algo que fizesse o rei esquecer sua mutilação e o amigo que ele prejudicou por seu orgulho desmedido. Tudo corria na melhor das aventuras, até que um silêncio incômodo chamou a atenção de todos, que ficaram alertas, porém era tarde demais, estavam cercados por nativos selvagens, sendo então todos aprisionados.

A noite era festiva para os nativos e um martírio para a comitiva e para o rei, pois os nativos já haviam devorado quase todos, sendo canibais, e deixaram o rei por último, reservado ao rei da tribo, que por hierarquia deveria ficar com o líder. Foram todos devorados, chegou a vez do rei, quando iam imolar o rei perceberam que lhe faltava um dos dedos e lamentaram profundamente, pois não iriam querer absorver aquele defeito por que era um mal sinal, as crianças da tribo poderiam nascer defeituosas, deliberaram soltar o rei.

O rei fez a viagem de volta muito pensativo e triste, sua vida parecia ser uma derrota constante, aí se lembrou de seu amigo quando disse que tudo que nos acontecia era porque Deus permitiu, e porque seria para nosso bem, agora estava ansioso pelo regresso, pensava no como seu amigo era mesmo sábio, e como eram profundas aquelas palavras. O rei chegou ao calabouço radiante de alegria por rever o amigo, abraçou-o, libertando o amigo daquele lugar que ele mesmo colocara, ajoelhou-se em frente ao amigo e pediu perdão inúmeras vezes, agora o rei chorava quando dizia:

- "Deveria ter ouvido você meu amigo, se não fosse tão orgulhoso teria poupado anos de desgostos e saudades", e narrava todo o ocorrido nos últimos dias. O sábio, penalizado e emocionado quanto ao estado do amigo respondeu:

-"Tudo o que Deus faz é para o nosso bem, ele permite que nos aconteça certas coisas, porque sempre será para o nosso bem. Como vês, se o Senhor não permitisse à vossa alteza que eu fosse aprisionado, hoje eu estaria morto, devorado pelos canibais, pois eu também não tenho defeitos físicos e com certeza estaria na comitiva...


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