04 de Janeiro de 2030 - O INICIO DE TUDO
Sei que muita gente vai me julgar por deixar meu pai em um asilo, mas era um lugar maravilhoso. Repleto de área verde, muitas enfermeiras e câmeras, no qual os familiares podiam acompanhar o dia a dia de seus pais e avós - de onde é que estivessem.
Neste Asilo têm - ou melhor dizendo - tinha, um programa muito interessante de voluntários de apoio e companhia aos idosos. O Asilo foi estruturado como um clube campestre aberto ao publico que se cadastravam como voluntários, e podiam aproveitar o clube e todos os seus benefícios - mas também, faziam companhia para os idosos que aqui moravam.
A iniciativa de criação desses clubes tinha também o intuito de dar assistência de moradia as pessoas que precisavam de ajuda em caso de grandes crises.
Com uma arquitetura que mistura a praia e a fazenda - tinha lagos para pesca, animais de fazenda como vacas, cavalos e galinhas. Os voluntários cuidavam de tudo, com uma pequena equipe administrativa e de médicos e enfermeiras que eram os responsáveis por acompanhar e comandar o local.
Também possuía um pequeno mercado, padaria, enfermaria, auditório e um grande deposito com Shelter Box (Ajuda humanitária) e uma área adaptada para recebimento e distribuição de doações de forma muito bem planejada logisticamente.
O local permitia viver quase como longas férias, repleto de pessoas curtindo o espaço e conversando e aprendendo com os idosos - enquanto trocavam suas horas de voluntariado por horas de lazer.
Tudo estava indo muito bem, a cada quinze dias visitava meu pai que deixei aqui devido as responsabilidades do mundo moderno. Dei muito foco ao trabalho e trabalhava por 15 a 16 horas por dia na busca de ganhar mais dinheiro. Ate ontem, acreditava estar percorrendo o caminho certo - mas no dia 04/01/2030 tudo mudou.
O portão estava escancarado. Estranhei, mas segui em frente — era só mais um dia corrido. Cheio de coisas na cabeça e com pressa pra visitar meu pai e seguir para o trabalho, cheguei no Asilo e tudo o que percebi foi os idosos praticamente abandonados, olhando e conversando nos corredores sem energia tentando entender. Procurei pela equipe ou por alguém que poderia esclarecer o que estava acontecendo. Corri pelos corredores ate o quarto do meu pai - que me contou o que estava nos jornais.
- Há anos não assistia TV. Na verdade - não assistia jornais - sempre muito sangue e informações repletas de posicionamento politico e ate mesmo Fake News - por terem sido enganados (mais uma vez) por um vídeo falso de IA.
Meu pai então me contou que os cães de rua começaram a atacar as pessoas de uma hora pra outra. muitas pessoas mortas e feridas na rua. Muitos acidentes de carros, postes derrubados, falta de energia, sistema de emergência e hospitais lotados.
Ouvi alguns gritos no corredor e corri para ver o que era, havia entrado um cachorro de rua e estava atacando uma senhora - acho que o nome dela era Diana, se não me engano - nunca tinha visto uma cena tão violenta e assustadora. O cão, um vira-lata estava alucinado na violência. Mordia e rasgava a senhora com tanta ferocidade, chacoalhando-a de um lado pro outro. Ele estava coberto de sangue - que não era seu - e olhos raivosos e literalmente espumando pela boca. Parecia imponente e mais selvagem do que jamais vi em um animal.
Fui ver como a Senhora Diana estava, mas também já estava nas ultimas, sufocando no próprio sangue devido a mordida no pescoço, além da perda gigante de sangue nas diversas lacerações que obteve nos braços, pernas e corpo. Gritei e pedi por ajuda, apenas os idosos tentavam se aproximar para ajudar de alguma forma, mas já era tarde - Diana estava morta.
Olhei brevemente para o jardim da frente e vi mais um cão correndo em nossa direção, no Hall - num ataque selvagem e imparável - comecei a escorregar em todo aquele sangue, enquanto tentava fechar a portaria do Asilo e engatinhando de quatro e empurrando meu corpo com todas as minhas forças e desespero daquele momento - bati a porta de entrada no trinco - o que fez o cão estraçalhar o vidro da porta, mas morrer devido tamanho a pancada e a força que bateu nas grades.
Pedi aos idosos que estavam ali que ligassem para a policia, bombeiros, ambulâncias.
Corri com cautela ate o portão da frente - o destravei manualmente - empurrei com cuidado, observando as ruas e tudo o que estava acontecendo lá fora. Incrédulo do que estava ocorrendo e como acabei não percebendo enquanto percorria meu trajeto ate o Asilo. Ate entendo, em minha desculpa, que com toda a violência, quantidade de acidentes e a falta de segurança - achei que o caos que não observei - estava como pode ser dito, "mais um dia normal".
Acho que ainda não havia entendido o que estava acontecendo precisamente. Tentei ligar para meu chefe e colegas de trabalho para avisar que iria faltar. Obviamente, telefones não chamaram, ninguém me atendeu.
ADAPTAÇÃO
Tudo o que eu tinha era meu pai e dinheiro no banco, ou seja, neste momento comecei a perceber que só tinha meu pai no fim das contas. Internet, telefone, cartões, supermercados. Nada estava funcionando e provavelmente tudo o que batalhei e perdi meu tempo nos últimos 13 anos foi jogado no lixo - principalmente meu tempo de vida.
Cobrimos a Senhora Diana com lençóis e colocamos os cães próximo ao muro, perto da entrada. Limpamos aquele sangue. E um dos idosos - Senhor Rafael - começou a desmaiar. Pensei a principio que era devido a toda aquela cena e acontecimento - ate que fui interrompido pelo próprio senhor Rafael dizendo que já havia presenciado cenas mais tristes e absurdas durante a sua vida, mas que precisava de sua insulina. Senhor Michel chegou imediatamente com a Insulina e aplicamos no Senhor Rafael para que ficasse bem. Começou a se recuperar sentado na poltrona do Hall de entrada e os Idosos começaram a se organizar - para comandar o lugar.Muito das vezes, tratamos os mais velhos como pessoas que estão dependentes de cuidado - o que não é errado - mas esquecemos que são 60, 70, 80, 90 anos de conhecimento e de vivencia no mundo, no qual acabamos de chegar. Alguns desses idosos tem quase 3x minha idade ... seria como eu ter vivido tudo o que vivi, três vezes com conhecimento acumulado e muita sabedoria.
Obviamente o que perdem - principalmente por deixar de cuidar da saúde na juventude - é a própria juventude e o corpo cobra com velocidade diminuída, dores e necessidade de remédios frequentes para suprir tudo o que o corpo e a idade já praticamente não produzem mais.
Organizamos o ambiente - tentando entender os remédios e horários de cada um - não é hora de precisar ir para o hospital - não ia dar.Alguns idosos, chefes de cozinha durante a vida - assumiram a cozinha, outros que viveram da roça a vida inteira, foram cuidar dos animais. Administradores e bancários foram conferir e entender os estoques, ex Médicos e Enfermeiras foram para a enfermaria do clube e ficaram responsáveis pelos medicamentos e eu, meu pai - ex policial - e alguns mais "jovens" (ou menos idosos) e fortes ou que também foram policiais, ex militares e ex seguranças, ficamos responsáveis por verificar o ambiente e ver como podíamos manter o local seguro e pedir ajuda externa.
Apesar do Asilo ser nos limites da cidade - ainda assim, estava praticamente dentro da cidade, nos corredores não era possivel ouvir o mundo lá fora, mas próximos aos muros - escutávamos os gritos de desespero e dor das pessoas sendo atacadas, tiros e explosões ao fundo, e rosnados, latidos, uivos e correria dos animais no nosso entorno. Os Idosos que estavam comigo nesta 'ronda' pareciam estar de boa com os sons, dava pra perceber que sentiam a lastima de não conseguiram auxiliar as pessoas lá fora, mas também dava pra perceber que a violência e cenas tristes não os afetavam tanto assim.
Aproveitei para ir caminhando levemente com meu pai e perguntei se não estava assustado com tudo aquilo, no qual me contou algumas historias de vida que fiquei incrédulo e jamais imaginei meu pai vivendo aquilo tudo - o que explicava um pouco do seu silencio corriqueiro na vida e também sua pouca alteração de estado emocional ao presenciar tudo aquilo.
AMBIENTE SEGURODias foram se passando - "ilhados" naquele clube, começaram a aparecer algumas pessoas em busca de ajuda, outras partiam em busca de familiares no qual não se tinha noticias, quase ninguém era filho ou neto daqueles idosos que estavam ali. O que gerou uma sensação da abandono e medo da perda - questionavam se seus familiares os haviam abandonado, ou se não haviam sequer sobrevivido aos ataques. De qualquer maneira a falta de noticias era desesperadora.
Os sobreviventes que ali apareciam, dia após dia - chegavam questionando se era ali o "famoso ASILO ARKHAM" - não entendemos muito no inicio, ate que nos explicaram que haviam conhecido por este nome devido eu, que tentava ajudar, me chamar Bruce (nome do Batman) e se espalhava por ai que era um local seguro, que poderia dar e receber ajuda. O local começou a ser reconhecido por sua autossuficiência e
Ainda hoje estamos mantendo as coisas funcionando por aqui, dezenas de pessoas ajudam na comunidade e diversas pessoas e principalmente crianças estão bem. Ajuda do governo, ou militar, nunca apareceram.Continuamos sobrevivendo - com pouquíssimas necessidades de combater aos cães. Raríssimas as vezes precisamos sair desses muros. Nossos Muros altos e portões resistentes e chapeados não deixam os cães entrarem e dificulta muito pessoas ruins invadirem - todas as vezes que ocorreu - conseguimos resolver. Deve ser por isso que "ARKHAM" tem se tornado os últimos recursos para aqueles que mais precisam.
[#APENDICE DO LIVRO]